terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A DIREITA PORTUGUESA E O SYRIZA


A Direita portuguesa mobiliza-se, em fúria, contra o Syriza. Ela teme que em Portugal possa aparecer um outro Syriza , que lhes possa roubar espaços e prebendas. Não pode usar o argumento de tal força não estar legitimada - já que a maioria absoluta ficou perto. Por tal facto, trata de questionar a viabilidade do respectivo programa político e de indagar sobre a natureza das suas alianças pós-eleitorais. Este fenómeno é curioso, por denunciar uma flagrante incoerência. Em Portugal, nem o CDS é democrata-cristão, nem o PSD é social-democrata. É notória, por parte destes dois partidos, uma completa abdicação de princípios. Mas a Direita não interpela esta sorte de demissões de consciência. Faz-lhe mais jeito increpar ... a Grécia. 

Se a Grécia conseguir, junto das instâncias europeias, alcançar alguma renegociação, por pequena que seja, tal significará a exautoração pública daqueles políticos que vieram dizer, desde a primeira hora, que "a solução era só uma" e que "não existiam quaisquer alternativas". Quando esta Direita se queixa da "maniqueísmo" das forças que não lhe são afectas, esquece-se desta pequena nota: desde o princípio desta gravíssima crise social europeia que as forças da Direita, em Portugal, foram as mais intransigentemente maniqueias, ao sublinhar que "a solução era só uma" e que " não existiam quaisquer alternativas". 

Se a Grécia falhar a sua missão, quem irá falhar também é a Europa. Não, decerto, essa Europa arrogante, soberba perante a miséria dos pobres, insensível perante o drama das famílias, revendo-se, altaneira, nas missas financeiras com que vão adulando a voracidade dos "mercados financeiros" e do grande sistema bancário internacional, que mais não é do que a rapacidade institucionalizada. Mas perderá essa outra Europa humanista, generosa, tolerante, dialogante, tal como a quiseram Monet, Willy Brant e até (imagine-se !) Konrad Adenauer ( democrata-cristão ... a sério !).

in "Facebook",  Amadeu Homem

"NINGUÉM"


Estive hoje a recordar o episódio da "Odisseia", no qual Ulisses vaza o olho a Polifemo, depois de lhe dizer que o seu nome é Ninguém. Um dos epítetos que Homero atribuiu a Ulisses foi justamente "o dos mil artifícios". Aqui o provou, pois quando o colosso chamou os seus iguais em sua defesa e estes lhe perguntaram quem o tinha molestado, Polifemo só pôde responder : "Ninguém".

Quase sem querer, convoquei um outro episódio, este do "Frei Luís de Sousa", de Garrett, em plena sala dos retratos. Quando Telmo, o "fiel escudeiro", pergunta pela identidade a D. João, este, sem se voltar, apontando com o bordão para o seu próprio retrato pintado, diz : "Ninguém". 

Estes "Ninguéns" são ambos Alguém, atrás do biombo do artifício ou da finura psicológica. O verdadeiro "Ninguém", esse só se implanta quando, definitivamente, o mundo fica ermo de Consciência. E nessa circunstância, nem sequer um Romeiro ou um Polifemo poderão preencher o irremediável vazio.

In "Facebook",  Amadeu Homem