terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

"NINGUÉM"


Estive hoje a recordar o episódio da "Odisseia", no qual Ulisses vaza o olho a Polifemo, depois de lhe dizer que o seu nome é Ninguém. Um dos epítetos que Homero atribuiu a Ulisses foi justamente "o dos mil artifícios". Aqui o provou, pois quando o colosso chamou os seus iguais em sua defesa e estes lhe perguntaram quem o tinha molestado, Polifemo só pôde responder : "Ninguém".

Quase sem querer, convoquei um outro episódio, este do "Frei Luís de Sousa", de Garrett, em plena sala dos retratos. Quando Telmo, o "fiel escudeiro", pergunta pela identidade a D. João, este, sem se voltar, apontando com o bordão para o seu próprio retrato pintado, diz : "Ninguém". 

Estes "Ninguéns" são ambos Alguém, atrás do biombo do artifício ou da finura psicológica. O verdadeiro "Ninguém", esse só se implanta quando, definitivamente, o mundo fica ermo de Consciência. E nessa circunstância, nem sequer um Romeiro ou um Polifemo poderão preencher o irremediável vazio.

In "Facebook",  Amadeu Homem

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